23 setembro, 2009

Devo pedir champanhe ou cianureto?

ARNALDO JABOR

O GLOBO - 22/09/09

O grande Cole Porter tem uma letra de música que diz: "Questões conflitantes rondam minha cabeça/devo pedir cianureto ou champanhe?"

Sinto-me assim, como articulista. Para que escrever? Nada adianta nada. Ando em crise, como vejo nos desenhos do excepcional Angeli, gênio da HQ. E como meu trabalho é ver o mal do mundo, um dia a depressão bate. Não aguento mais ver a cara do Lula de boné, dançando xaxado pelo pré-sal; não aguento mais ver o Sarney mandando no país, transformando-nos num grande "Maranhão", com o PT no bolso do jaquetão de teflon, enquanto comunistas, tucanistas e fascistas discutem para ver quem é mais de "esquerda" ou de "direita", com o Estado loteado entre pelegos sem emprego e um governo regressista nos jogando de marcha a ré para os anos 40; não dá mais para ouvir quantos campos de futebol foram destruídos por mês na Amazônia, quando ninguém jamais consegue impedir as queimadas na região, enquanto ecochatos correm nus na Europa, fazendo ridículos protestos contra o efeito estufa; passo mal quando vejo a cara dos oportunistas do MST, com a bênção da Pastoral da Terra, liderando pobres diabos para a "revolução" contra o capitalismo; não aguento secretários de Segurança falando em "forças-tarefas" diante de presídios que nem conseguem bloquear celulares; não suporto a polêmica nacionalismo pelego X liberalismo tucano de hímen complacente; tenho enjoo com vagabundos inúteis falando em "utopias", bispos dizendo bobagens sobre economia, acadêmicos rancorosos decepcionados, mas secretamente apaixonados pela velha esquerda.

Tremo ao ver a República tratada no passado, nostalgias de tortura, indenizações para moleques, heranças malditas, ossadas do Araguaia e nenhuma reforma no Estado paralítico e patrimonialista; não tolero mais a falta de imaginação ideológica dos homens de bem, comparada com a imaginação dos canalhas, o que nos leva à retórica de impossibilidades como nosso destino fatal, e vejo que a única coisa que acontece é que não acontece nada, apesar dos bilhões em propaganda para acharmos que algo acontece.

Não aturo essa dúvida ridícula que assola a reflexão política: paralisia X voluntarismo, processo X solução, continuidade X ruptura; deprimo quando vejo a militância dos ignorantes, a burrice com fome de sentido, tenho engulhos ao ver a mísera liberdade como produto de mercado, êxtases volúveis de "clubbers" e punks de butique, descolados dentro de um chiqueirinho de irrelevâncias, buscando ideais como a bunda perfeita, bundas ambiciosas, querendo subir na vida, bundas com vida própria, mais importantes que suas donas; odeio recordes sexuais, próteses de silicone, pênis voadores, sucesso sem trabalho, a troca do mérito pela fama; não suporto mais anúncio de cerveja com louras burras, detesto bingo, "pitbulls", balas perdidas, suspense sobre espetáculo de crescimento que só acontece na mídia; abomino mulheres divididas entre a piranhagem e a peruice. Onde está a delicadeza do erotismo clássico, a poética do êxtase?

Repugnam-me os sorrisos luminosos de celebridades bregas, passos-de-ganso de manequim, notícias sobre quem come quem; horroriza-me sermos um bando de patetas de consumo, crianças brincando num shopping, enquanto os homens-bomba explodem no oriente e ocidente, enquanto desovam cadáveres na faixa de Gaza e em Ramos, com ônibus em fogo no Jacarezinho e Heliópolis, museus superfaturados evocando retorcidos bombardeios em vez de hospitais e escolas, espaços culturais sem arte alguma para botar dentro, a não ser sinistras instalações com sangue de porco ou latinhas de cocô de artistas picaretas vestidos de "contemporâneos".

Não aguento chuvas em São Paulo e desabamentos no Rio, enquanto a Igreja Universal constrói templos de mármore com dinheiro arrancado dos pobres, e Sonia Hernandez, a perua de Cristo do Renascer, reza de mãos dadas com Dilma Rousseff de olhos fechados, orando pelos ideais de Zé Dirceu.

Enquanto isso, formigueiros de fiéis bárbaros no Islã recitam o Corão com os rabos para cima antes de pilotar caminhões-bomba, xiitas sangrando, sunitas chorando, tudo no tão mal começado século XXI; não aguento ver que a pior violência é nosso convívio cético com a violência, o mal banalizado e o bem como um charme burguês; não quero mais ouvir falar de "globalização", enquanto meninos miseráveis fazem malabarismo nos sinais de trânsito, cariocas de porre falando de política e paulistas de porre falando de mercado, festas de celebridades com cascata de camarão, matéria paga com casais em bodas de prata.

Lula com outro boné, políticos se defendendo de roubalheira, falando em "honra ilibada", "conselho de ética arquivado", suplentes cabeludos e suplentes carecas ocultando os crimes, anúncios de celulares que fazem de tudo, até "boquete"; dá-me repulsa ver mulheres-bomba tirando foto com os filhinhos antes de explodir e subir aos céus dos imbecis; odeio o prazer suicida com que falamos sem agir sobre o derretimento das calotas polares, polêmicas sobre casamento gay, racismo pedindo leis contra o racismo; odeio a pedofilia perdoada na Igreja, vomito ao ver aquele rato do Irã falando que não houve Holocausto, sorrindo ao lado do Chávez, cercados pelas caras barbudas de boçal sabedoria de aiatolás; repugnam-me as bochechas da presidente Cristina Kirchner destruindo a Argentina, Maluf negando nossa existência, Pimenta das Neves rebolando em cima dos buracos do Código Penal; confrange-me o papa rezando contra a violência com seus olhinhos violentos; não suporto cúpulas do G-20 lamentando a miséria para nada; tenho medo de tudo, inclusive da minha renitente depressão; estou de saco cheio de mim mesmo, dessa minha esperançazinha démodé e iluminista de articulista do "bem", impotente diante do cinismo vencedor de criminosos políticos.
Daí, faço minha a dúvida de Cole Porter

19 setembro, 2009

Marisa Monte e Julieta Venegas - Ilusión

Maria Bethânia - Purificar o Subaé / Miséria



Purificar o Subaé!

Depois do episódio do mercúrio, quero lhes relatar o caso da contaminação do rio Subaé, que nasce em Feira de Santana e corta o centro urbano de Santo Amaro da Purificação, terra de Dona Cano e dos Veloso, por chumbo, zinco e cádmio, três metais pesados extremamente perigosos para o ser humano se ingeridos em concentrações acima do tolerado. O chumbo causa o saturnismo, doença ambiental que se conhece desde os primórdios da Idade Antiga. E o cádmio causa a moléstia que ficou conhecida como Doença de Itai-Itai, surgida no Japão industrializado pós II Guerra Mundial. Ela causa dores lancinantes e a fratura dos ossos do corpo por uma simples pressão com as mãos. Os ossos, em suma, viram farófia.A poluição do rio Subaé - e, consequentemente, da Baía de Todos os Santos, onde o curso d´água desemboca - foi causada pelo despejo dos esgotos industriais da usina de chumbo chamada Cobrac, hoje desativada, que processava o minério retirado de uma mina que existiu no município de Boquira, terra do falecido jornalista Francisco Alexandria. Estima-se que a usina tenha despejado no rio e na baía algo em torno de 400 toneladas de minério.O interessante é que ambas - a mina e a usina - pertenceram ao Barão de Rotchild. da nobre família francesa Rotchild. Ou seja, o Primeiro Mundo poluiu o Terceiro Mundo e ficou por isso mesmo."Purificar o Subaé, mandar os malditos embora. Dona da água doce quem é...". Os versos e a canção de Caetano Veloso surgiram como um protesto musical do genial baiano logo após a denúncia da imprensa sobre a perigosa poluição. Se o trabalho do jornalismo não encorajou o Governo da Bahia e/ a Prefeitura de Santo Amaro da Purificação a exigir indenização nos foros internacionais à Família Rotchild, pelo menos insuflou a criatividade e a sensibilidade do poeta. Mas ainda é tempo dos organismos oficiais agirem em defesa da população de Santo Amaro, dos operários envenenados e dos moradores contaminados pela ganância francesa.Um aspecto interessante foi o acaso da descoberta da gravidade da poluição do Subaé, embora fosse público e notório que os restos da limalha de chumbo e ferro processado pela usina tenha sido usado para aterrar e asfaltar ruas em Santo Amaro. E que a população, sobretudo as crianças, inalava a poeira da limalha quando o vento soprava ou algum veículo passava pela rua urbanizada como aterro poluidor.Foi quando um pesquisador da Faculdade de Química da UFBA, de nome Oscar Nogueira, foi testar o uso de um instrumento chamado Espectrofotômetro de Absorção Atômica. Ele precisava de água de onde se suspeitasse houvesse presença de chumbo em suspensão. Ele usou a água do Subaé. E coletou, como termo de referência ou comparação, água do mar de Guaimbim, em Valença, na época totalmente despoluída.Quando ele colocava o água do Subaé no aparelho e media a concentração de chumbo, o medidor do Espectrofotômetro dava um verdadeiro pico. Ele ficou intrigado e foi consultar a biografia química. O conhecimento acumulado a nível internacional indicou que, em casos como aquele, não havia presença de chumbo mas, sim, de cádmio, um metal pesado extremamente perigoso para o ser humano.Oscar Nogueira pediu ajuda à professora Tânia Tavares, orientadora de pesquisa, que mobilizou também o Mestrado de Medicina Comunitária da UFBA para estudar o caso, que envolvia pessoas que viviam nas margens do rio. Entre os pesquisadores estava o médico Fernando Carvalho. Eles têm tudo sobre esse caso. A primeira conseqüência do escândalo foi o fechamento da Cobrac, determinada pelo Governo do Estado, que pode agora se mobilizar para exigir indenização dos franceses da Família Rotchild. Além da poluição de Santo Amaro e da Baía de Todos os Santos, eles transformaram Boquira numa terra de crateras pior que a Lua. É um caso jurídico de Direito Internacional e de muita coragem cívica.
Antonio Jorge Moura é jornalista

15 setembro, 2009

A política do pão e circo


Pão e Circo
Com o crescimento urbano vieram também os problemas sociais para Roma. A escravidão gerou muito desemprego na zona rural, pois muitos camponeses perderam seus empregos. Esta massa de desempregados migrou para as cidades romanas em busca de empregos e melhores condições de vida. Receoso de que pudesse acontecer alguma revolta de desempregados, o imperador criou a política do Pão e Circo. Esta consistia em oferecer aos romanos alimentação e diversão. Quase todos os dias ocorriam lutas de gladiadores nos estádios ( o mais famoso foi o Coliseu de Roma ), onde eram distribuídos alimentos. Desta forma, a população carente acabava esquecendo os problemas da vida, diminuindo as chances de revolta.

Os Mutantes - Panis Et Circenses

Legião Urbana - Perfeição

GRANDE QUALIDADE DE VIDA - João Ubaldo Ribeiro

Antigamente, não havia qualidade de vida. Quer dizer, não se falava em qualidade de vida. Agora só se fala em qualidade de vida e, em matéria de qualidade de vida, sou um dos sujeitos mais ameaçados que conheço. Na verdade, me dizem que venho experimentando uma considerável melhora de qualidade de vida, mas tenho algumas dúvidas. Minha qualidade de vida, na minha modesta opinião pessoal, não tem melhorado essas coisas todas, com as providências que me fazem tomar e as violências que sou obrigado a cometer contra mim mesmo. Geralmente suporto bem conversas sobre qualidade de vida, mas tendo cada vez mais a retirar-me do círculo ou recinto onde me encontro, quando começam a falar nela.

A comida mesmo me faz estar considerando, no momento, comprar uma balança de precisão e um computador de bolso com um programa alimentar especial. Antes eu comia do que gostava. Fui criado, por exemplo, com comida frita na banha de porco ou, mais tarde, na gordura de coco. Meus avós, todos mortos depois dos noventa (com exceção do que só comia o saudabilíssimo azeite de oliva — e ele morreu de AVC) comiam banha de porco e torresmo regularmente, mas, claro, ainda não tinha sido informados de que se tratava de prática mortal. Aliás, comida saudável, que se ensinava nos manuais até para crianças, era composta de leite integral, ovos, pão (com manteiga), carne vermelha ou peixe — frito, então, era uma maravilha para estômagos delicados — frutas e legumes à vontade.

Depois disso, até atingirmos a atual qualidade de vida, fulminaram o leite. Alimento completo, passou a ser encarado com desconfiança, e hoje não sei de ninguém que beba leite integral, a não ser, talvez, algum gorila do Zoológico. O ovo sofreu ataque violentíssimo, assim como o açúcar, a ponto de, tenho certeza, várias receitas tradicionais de doces serem hoje achados arqueológicos, e as poucas que restam constituam uma imitação desenxabida das que empregavam ingredientes normais e não essas massas e líquidos insossos que vivem distribuindo, como leite, manteiga etc. Claro, mudaram de idéia a respeito do ovo recentemente, mas a mudança de idéias deles só pode ser vista com desconfiança.

Não houve o tempo, e não é preciso ser nenhum Matusalém para lembrar, em que para substituir a manteiga era exigida margarina, alimento saudabilíssimo, que não fazia nenhuma das monstruosidades operadas pela manteiga? O negócio era margarina e durou bastante, até que descobriram que margarina pode ser até pior do que manteiga. Melhor, na verdade, abolir manteiga inteiramente. E margarina, claro, nem pensar. Carne vermelha é uma abominação. Carne de porco é um terror. Vísceras de qualquer tipo devem ser evitadas como o diabo foge da cruz. Açúcar, meu Deus! Sorvete? Só para crianças, e crianças de pais irresponsáveis. Aliás, é um bom desafio achar algo unanimemente aprovado pelos nutricionistas, a não ser, tudo indica, capim.

Mas ninguém pode viver de capim, de maneira que, relutantemente, deixam a gente comer uma coisinha qualquer, contanto que não ultrapassemos o limite de calorias e não ingiramos o proibido e, mesmo assim, com restrições. Peixe cozido ou grelhado, por exemplo, geralmente pode, mas paira sobre seu infeliz consumidor a ameaça de que não esteja fresco ou esteja contaminado por metais pesados e pelo lixo que jogam em rios e mares. Peito de frango (e eu que sou homem de coxas e antecoxas) também assusta, por causa dos hormônios que dão às galinhas e as neuroses que elas desenvolvem, nascendo sem mãe e sendo criadas em cubículos em que mal podem se mexer, a ponto de terem de ser debicadas, para não se autodevorarem histericamente. Ou seja, mesmo comendo um peito de galinha sem uma gota de qualquer gordura e acompanhado somente por matos e alguns legumes (cuidado com a contaminação de tomates, cenouras e alfaces!), o infeliz se arrisca.

Mas vou usar o computador para calcular as calorias, as gorduras e outras características de cada refeição, porque, agora que minha qualidade de vida está melhorando a cada dia, preciso ser coerente. Fumar, não mais, nem uma pitadinha depois do café (que ninguém sabe direito se faz bem ou faz mal, temperado com adoçante, que também ninguém sabe se faz bem ou faz mal). Beber, esqueça, vai deixar você demente aos 60, além de dar cirrose e hepatite. O famoso copinho de vinho, além de ser uma porção ridícula, também está sendo questionado no momento. Parece que não é bem assim, e uma autoridade no assunto disse outro dia no jornal que o melhor é tomar suco de uva — não industrializado, é claro, por causa dos aditivos.

Restam também os exercícios. Fico felicíssimo, quando, suando e bufando no calçadão, sinto o ar fresco invadir os meus pulmões (preferia logo uma tenda de oxigênio), as pernas doendo e a certeza de que minha qualidade de vida vai cada vez melhor. Até minha pressão arterial (13 a 14 por 8), que era considerada boa para minha idade, agora já é alta e o pessoal dos 12 por 8 já começa a entrar na faixa de risco. Enfim, é duro manter esta boa qualidade de vida, ainda mais agora que me anunciam que caminhadas somente não bastam, tem de malhar também. Ou seja, temos que nos dedicar o tempo todo a manter nossa qualidade de vida. Mas, aqui entre nós, se vocês no futuro virem um gordão tomando caldinho de feijão com torresmo no boteco, depois de um chopinho, e o acharem vagamente parecido comigo, talvez seja eu mesmo, sofrendo de uma pavorosa qualidade de vida. A diferença é grande. Tanto eu quanto vocês vamos morrer do mesmo jeito, mas vocês, depois da excelente qualidade de vida que estão desfrutando aí com sua rúcula com suco de brócolis, vão ter uma ótima qualidade de morte, falecendo em perfeita saúde e eu lá, no meu velório, com um sorriso obeso e contente no rosto dissoluto.

Os ricos e pobres - Martha Medeiros

Anos atrás escrevi sobre um apresentador de televisão que ganhava R$ 1 milhão por mês e que em entrevista vangloriava-se de nunca ter lido um livro na vida. Classifiquei-o imediatamente como um exemplo de pessoa pobre. Agora leio uma declaração do publicitário Washington Olivetto em que ele fala sobre isso de forma exemplar.

Ele diz que há no mundo os ricos-ricos (que têm dinheiro e têm cultura), os pobres-ricos (que não têm dinheiro mas são agitadores intelectuais, possuem antenas que captam boas e novas idéias) e os ricos-pobres, que são a pior espécie: têm dinheiro mas não gastam um único tostão da sua fortuna em livrarias, shows ou galerias de arte, apenas torram em futilidades e propagam a ignorância e a grosseria.

Os ricos-ricos movimentam a economia gastando em cultura, educação e viagens, e com isso propagam o que conhecem e divulgam bons hábitos. Os pobres-ricos não têm saldo invejável no banco, mas são criativos, efervescentes, abertos.

A riqueza destes dois grupos está na qualidade da informação que possuem, na sua curiosidade, na inteligência que cultivam e passam adiante. São estes dois grupos que fazem com que uma nação se desenvolva. Infelizmente, são os dois grupos menos representativos da sociedade brasileira.

O que temos aqui, em maior número, é um grupo que Olivetto nem mencionou, os pobres-pobres, que devido ao baixíssimo poder aquisitivo e quase inexistente acesso à cultura, infelizmente não ganham, não gastam, não aprendem e não ensinam: ficam à margem, feito zumbis.

E temos os ricos-pobres, que têm o bolso cheio e poderiam ajudar a fazer deste país um lugar que mereça ser chamado de civilizado, mas que nada: eles só propagam atraso, só propagam arrogância, só propagam sua pobreza de espírito.

Exemplos? Vou começar por uma cena que testemunhei semana passada. Estava dirigindo quando o sinal fechou. Parei atrás de um Audi preto do ano. Carrão. Dentro, um sujeito de terno e gravata que, cheio de si, não teve dúvida:

abriu o vidro automático, amassou uma embalagem de cigarro vazia e a jogou pela janela no meio da rua, como se o asfalto fosse uma lixeira pública. O Audi é só um disfarce que ele pôde comprar, no fundo é um pobretão que só tem a oferecer sua miséria existencial.

Os ricos-pobres não têm verniz, não têm sensibilidade, não têm alcance para ir além do óbvio. Só têm dinheiro. Os ricos-pobres pedem no restaurante o vinho mais caro e tratam o garçom com desdém, vestem-se de Prada e sentam com as pernas abertas, viajam para Paris e não sabem quem foi Degas ou Monet, possuem tevês de plasma em todos os aposentos da casa e só assistem programas de auditório, mandam o filho pra Disney e nunca foram a uma reunião da escola. E, claro, dirigem um Audi e jogam lixo pela janela. Uma esmolinha para eles, pelo amor de Deus.

O Brasil tem saída se deixar de ser preconceituoso com os ricos-ricos (que ganham dinheiro honestamente e sabem que ele serve não só para proporcionar conforto, mas também para promover o conhecimento) e se valorizar os pobres-ricos, que são aqueles inúmeros indivíduos que fazem malabarismo para sobreviver mas, por outro lado, são interessados em teatro, música, cinema, literatura, moda, esportes, gastronomia, tecnologia e, principalmente, interessados nos outros seres humanos, fazendo da sua cidade um lugar desafiante e empolgante.

É este o luxo de que precisamos, porque luxo é ter recursos para melhorar o mundo que nos coube. E recurso não é só money: é atitude e informação.

Woody Allen mais perto do Brasil


14/09/09

O publicitário Cláudio Loureiro, fundador da Heads Propaganda, segue firme nas negociações com o os produtores do cineasta americano Woody Allen, que planeja rodar um filme no Brasil em 2011. E essa possibilidade está ficando cada vez mais real: no dia 3 de outubro, Stephen Tenenbaum e Letty Aronson, produtores de Allen (ela é também irmã do diretor), desembarcam em São Paulo, onde ficam dois dias.

Depois seguem para o Rio de Janeiro, para mais cinco dias. Visitarão possíveis locações nas duas cidades. Apesar de estar quase certo que o filme seja rodado no Rio, Allen pediu que os dois fossem também a São Paulo.

Foi por meio da iniciativa de Cláudio que a idéia saiu do papel e ele vai dar todo apoio para os produtores em sua passagem pelo Brasil. As produtoras Conspiração e O2 estão numa disputa à parte para saber quem coproduzirá o filme.

07 setembro, 2009

06 setembro, 2009

João Donato - 75 anos de idade – 60 de carreira

Michael Moore pede o fim do capitalismo em seu novo filme em Veneza

Michael Moore em cena de "Capitalism - A Love Story" (2009)

05/09/2009 - 18h34

NEUSA BARBOSA

Especial para o UOL, de Veneza, Itália*

A passagem do documentário "Capitalism: A Love Story", de Michael Moore repercutiu com toda a força que se poderia esperar do engajado diretor de "Tiros em Columbine" e "Fahrenheit 11 de Setembro". Sua primeira sessão para a imprensa no Festival de Veneza, onde concorre ao Leão de Ouro, nesta noite de sábado (5), teve fila começando mais de meia hora antes de seu início, empurra-empurra e dezenas de jornalistas voltando para trás, assim que a lotação da Sala Perla (450 lugares) se esgotou.


Ao final, o filme foi bastante aplaudido. Em todo caso, o filme é polêmico e tem a marca marqueteira de Moore, embora não lhe falte contundência. Ao seu final, o diretor simplesmente faz uma profissão de fé contra o capitalismo -que, segundo ele, "não pode ser regulado, tem de ser simplesmente eliminado e substituído por um sistema mais justo."

O foco do filme é a grande crise econômica que abalou os mercados mundiais ao final de 2008, provocando a quebra de instituições financeiras e a falência não só de empresas, como de pessoas físicas -milhares delas perderam suas casas, nos EUA, por não poderem pagar suas hipotecas, que haviam sido refinanciadas para adquirir novas casas.

Como de hábito nos filmes de Moore, a pesquisa é consistente e registra casos impressionantes, que visam retratar a ganância dos bancos e o resultado trágico, segundo ele, de uma desregulamentação do sistema financeiro. Além de acompanhar o despejo de alguns inadimplentes com as hipotecas, Moore denuncia verdadeiros crimes, como empresas que fazem apólices de seguro em favor de seus empregados e beneficiam-se delas, no caso de sua morte, em prejuízo das famílias dos mortos. O filme não se furta a indicar mesmo os nomes de diversas grandes empresas norte-americanas que usaram ou ainda usam este expediente.

Uma das sequências mais provocadoras de "Capitalism: A Love Story" está em seu final -quando o próprio cineasta percorre diversos bancos em Nova York com um saco de pano na mao, com a intenção declarada de "recuperar" dinheiro subtraído aos contribuintes. Impedido de fazer esta "coleta", Moore arranja então um rolo da fita normalmente usada pela policia norte-americana para isolar cenários de crimes, passando-a pela porta dessas instituições.

Ao final, o cineasta propõe que cada uma das pessoas que assistir ao filme também se rebele, seguindo os exemplos de trabalhadores que ocuparam indústrias desativadas ou alguns moradores que reocuparam suas casas, desobedecendo às ordens de despejo. Moore diz claramente que os EUA hoje "não são" o país que o falecido presidente Franklin Roosevelt propunha, mas que ele não irá deixá-lo. Moore repropõe, ao que parece, a boa e velha desobediência civil.

Com tantos assuntos bombásticos, a coletiva do filme de Moore, marcada para a tarde de domingo, promete.

*Neusa Barbosa escreve para o site Cineweb


TRAILER: Michael Moore "Capitalism: A Love Story"

03 setembro, 2009

Gabeira defende desrespeito à lei se internet for limitada

Ricardo Noblat - 3.9.2009

Em sua conta no Twitter, o deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ) defende que, caso haja mesmo restrições à internet durante as eleições, a lei seja desobedecida. "Vamos brigar feio pela liberdade na internet nas eleições", diz ele. "Na derrota, o caminho é a orientação do [filósofo Henry David] Thoreau para leis estúpidas: desobedeça."

29 agosto, 2009

Roberto Carlos pode abrir o show de Paul McCartney no Brasil

Depois dos rumores de que Paul McCartney poderá ser a principal atração do show de aniversário de 50 anos da cidade de Brasília, que acontece em abril do próximo ano, a novidade agora é que o ex-Beatle poderá dividir o palco com Roberto Carlos.

Segundo informações publicadas pela colunista Mônica Bergamo, do jornal Folha de S.Paulo, o vice-governador do Distrito Federal, Paulo Octávio, fará o convite ao Rei neste sábado (29). Caso Roberto Carlos aceite - e caso Paul McCartney realmente confirme o show - o cantor brasileiro poderá se apresentar antes do ex-Beatle.

Renúncia à Renúncia - O Globo - 29/8/2009

Por Cristovam Buarque


Avançar é renunciar ao presente, carregando os princípios do passado. A fuga da renúncia vem do apego ao presente. É o que hoje ocorre com muitos militantes do Partido dos Trabalhadores. Presos à aparente governabilidade no presente, temem abrir mão de qualquer aliança, e sacrificam a contribuição que poderiam dar para mudar o Brasil do futuro.

A aliança com o PMDB até poderia se justificar, desde que o PT não abandonasse os valores éticos defendidos no passado e apontasse para um Brasil diferente no futuro. Mas não é o que se vê: o PT abraça o que antes repudiava, sem que os aliados tenham mudado; e se contenta em ampliar uma rede de proteção social, em vez de construir uma escada de ascensão social. Em vez de um sistema sócio-econômico para promover estruturalmente a distribuição de renda, se satisfaz com pequenas transferências de recursos públicos para a população pobre. Em vez de reorientar o modelo produtivo para o desenvolvimento sustentável, comemora o aumento na venda de automóveis graças à isenção do IPI.

Ainda há uma parte do PT que continua fiel ao passado, mas está marginalizada do poder; continua crítica, mas limitada aos velhos esquemas nos quais o projeto alternativo se baseava na estatização da economia, buscando garantir igualdade de renda e consumo para os trabalhadores. Esses saudosistas não renunciaram ao passado, mas não aceitam as mudanças necessárias para o futuro.

O Brasil precisa de uma proposta que assegure oportunidades iguais entre classes, por meio de uma revolução na educação; e entre gerações, por meio do respeito ecológico; tendo a democracia como o meio fundamental de garantir que o talento seja respeitado. Precisa da garantia de oportunidades iguais para todo brasileiro conquistar democraticamente seu lugar na sociedade, segundo seu talento e persistência, e não da igualdade por meio do aparelho de estado de forma autoritária.

Essa proposta ainda não consegue penetrar no Partido dos Trabalhadores, por apego ao passado ou vício do presente, que impedem a capacidade da criação criativa para o futuro.

A recusa do Senador Mercadante em renunciar à liderança de sua bancada e abrir caminho para liderar um movimento de mudança no PT não foi um gesto solitário. Ao contrário, simbolizou o pensamento de grande parte da militância do PT. Por apego ao presente e ao presidente, Mercadante foi fiel ao abandono do passado e do futuro. Agarrado a uma governabilidade que significa manter rumo, sem princípios, nem sonhos.

Ao ouvir o começo de seu discurso no Senado, no dia 21 de agosto, senti que estava surgindo o líder que poderia iniciar uma inflexão no PT rumo a uma nova proposta, que combinasse ética (política com princípios acima da governabilidade) ecologia (desenvolvimento sustentável), educação (o filho do trabalhador na mesma escola que o filho do patrão) e democracia (respeito aos direitos individuais e ao equilíbrio entre os três Poderes). Um líder que renunciaria ao presente para construir o futuro. No final, ficou a frustração de ouvir um líder, prisioneiro do presente e de outro líder - ao qual ele reconheceu jamais dizer não.


Muitos viram a renúncia do Senador Mercadante como perda para sua biografia. Mais grave, porém, foi a perda para o Brasil. O País, para mudar, vai precisar de um partido como o PT. Mas um PT diferente do como está hoje: sem coerência, sem sonho, nem princípios, que se concentra no que chama de governabilidade, que endeusa a linha oficial do governo e se recusa a renunciar ao presente, a olhar para o futuro comprometido com os princípios do passado. Por alguns minutos, Mercadante carregou a bandeira da mudança, mas a jogou no chão do presente, em vez de carregá-la nos céus do futuro.

Fica, entretanto, a esperança de que ele use seu potencial de votos e de formação, bem como o crédito que ainda tem, para liderar a necessária inflexão que o PT precisa fazer, para construir o Brasil de que todos precisamos. E que faça a renúncia da renúncia da renúncia.

Artigo do senador Cristovam Buarque publicado no Globo de sábado, 29 de agosto.