08 novembro, 2006

Selo Elenco


SOBRE A ELENCO

O selo Elenco surgiu em 1963, fundado por Aloysio de Oliveira, que conhecia todos os principais personagens da bossa nova e já havia trabalhado nas gravadoras Odeon e Philips. O conceito gráfico das capas, desenvolvido pelo designer Cesar Villela com o fotógrafo Chico Pereira, foi algo totalmente inovador para a época e gerou inúmeros imitadores, além de ter sido uma estética que ficou profundamente ligada à bossa nova. Os vinis originais da Elenco são raríssimos e caríssimos. Alguns discos foram relançados em CD com a capa original, mas já estão fora de catálogo. Outros nem isso.

SOBRE ALOYSIO DE OLIVEIRA

Produtor, cantor, compositor e narrador carioca, Aloysio de Oliveira formou-se dentista, mas nunca chegou a exercer a profissão. Desde pequeno, teve forte relação com a música. Ainda adolescente, em 1929, integrou o Bando da Lua e já em 1931 o grupo gravava seu primeiro disco de 78 rpm, no qual Aloysio cantava numa das duas faixas, o samba “Tá de Mona” (Mazinho/ Maércio). Mais tarde, em 39, viajou para os Estados Unidos com seu grupo para acompanhar Carmen Miranda (com quem também teve um romance). Na década de 40, começou a trabalhar com Walt Disney em trilhas sonoras como consultor (ajudou a criar o personagem Zé Carioca), narrador de documentários e dublador de desenhos animados (as falas de Peter Pan e Capitão Gancho são dele). Em "Alô, Amigos", de 1943, ele cantou “Aquarela do Brasil” (Ary Barroso). Em “Você já Foi à Bahia?” participou como ator e da trilha sonora. Além disso, dirigiu o Bando da Lua em sua nova fase, de 1949 até seu término, seis anos depois, ocasionado pela morte da Pequena Notável, em agosto de 55. Voltou ao Brasil em 1956, onde empregou-se como diretor artístico da gravadora Odeon e atuou na Rádio Mayrink Veiga, com Aurora Miranda e Vadico. Em 1959, foi responsável pelo lançamento do LP “Chega de Saudade”, de João Gilberto, marco da bossa nova. No ano seguinte, transferiu-se da Odeon para a Philips, permanecendo lá por oito meses. Em 1963 casou-se com Sílvia Telles, cantora lançada por ele e de quem produziu discos, e fundou a gravadora Elenco, especializada em discos de alta qualidade artística. Lançou diversos artistas em discos solo, como Edu Lobo, Nara Leão, Nana Caymmi, Vinicius de Moraes (como cantor) – aliás o primeiro LP da Elenco foi “Vincius & Odete Lara” – além de produzir álbuns antológicos, como “Caymmi Visita Tom”, “Vincius & Caymmi no Zum Zum”, “Edu & Bethânia”, “Maysa” (ao vivo no Au Bon Gourmet), entre outros. Foi ainda nos anos 60 que Aloysio compôs diversas canções célebres em parceria com Tom Jobim, como “Dindi”, “Só Tinha de Ser com Você”, “Inútil Paisagem”, “Eu Preciso de Você”, entre outras. Em 68, quando a Elenco foi extinta, voltou aos EUA, onde produziu discos de artistas brasileiros na Warner. Voltou ao país em 1972, atuando como produtor musical em diversas gravadoras, como Odeon, RCA Victor e Som Livre. Onze anos depois, publicou o livro de memórias “De Banda pra Lua” (Ed. Record). Morreu em Los Angeles, onde residia nos últimos anos de vida, aos 80 anos, em 1995.

03 novembro, 2006

Nem comida, nem diversão, nem arte

Comida - Titãs com participação de Arnaldo Antunes e Paralamas


Composição: Arnaldo Antunes / Marcelo Fromer / Sérgio Britto

Bebida é água.
Comida é pasto.
Você tem sede de que?
Você tem fome de que?
A gente não quer só comida,
A gente quer comida, diversão e arte.
A gente não quer só comida,
A gente quer saída para qualquer parte.
A gente não quer só comida,
A gente quer bebida, diversão, balé.
A gente não quer só comida,
A gente quer a vida como a vida quer.

Bebida é água.
Comida é pasto.
Você tem sede de que?
Você tem fome de que?
A gente não quer só comer,
A gente quer comer e quer fazer amor.
A gente não quer só comer,
A gente quer prazer pra aliviar a dor.
A gente não quer só dinheiro,
A gente quer dinheiro e felicidade.
A gente não quer só dinheiro,
A gente quer inteiro e não pela metade.

Na década de 1980, Comida, dos Titãs, e particularmente seu refrão (A gente não quer só comida. A gente quer comida, diversão e arte!) era uma espécie de hino paras mudanças almejadas por uma juventude sedenta por cultura, arte e liberdade.

02 novembro, 2006

Amizade sem trato

Martha Medeiros

...Dei para me emocionar cada vez que falo de amigos. Deve ser a idade, dizem que a gente fica mais sentimental. Mas é fato: Quando penso no que tenho de mais valioso, os amigos aparecem em pé de igualdade com o resto da família. E quando ouço as pessoas dizendo que, amigos, mas amigos meeeeesmo a gente só tem dois , três, empino o peito e fico até besta de tanto orgulho: Eu tenho muito mais do que dois ou três, são uma cambada. Não é privilégio meu, qualquer pessoa poderia ter amigos assim, mais quem se dedica? Fulano é meu amigo, Sicrana é minha amiga. É nada.São conhecidos. Gente que cumprimentamos na rua, falamos rapidamente em uma festa, de repente sabemos até de uma fofoca pesada sobre eles, mas amigos? Nem perto. Alguns até chegaram a ser, mas não são mais por absoluta falta de cuidado de ambas as partes. AMIZADE não é só empatia, é cultivo. Exige tempo, disposição. E o mais importante: O carinho - não precisa - nem deve - vir acompanhado de um motivo. As pessoas se falam basicamente nos aniversários, no Natal, ou para pedir um favor - tem que haver alguma razão prática ou festiva para fazer contato. Pois para saber a diferença entre um amigo ocasional e um amigo de verdade, basta tirar a razão de cena.Você não precisa de uma razão, basta sentir a falta da pessoa. E, estando juntos, tratarem-se bem. Difícil exemplificar o que é tratar bem. Se são amigos mesmo, não precisam nem falar, podem caminhar lado a lado em silêncio. Não é preciso troca de elogios constantes, podem até pegar no pé um do outro, delicadamente. Não é preciso manifestações constantes de carinho, podem dizer verdades duras, às vezes elas são necessárias. Mas há sempre algo sublime no ar entre dois amigos de verdade. Talvez respeito seja a palavra. Afeto, certamente. Cumplicidade? Mais do que cumplicidade. Sintonia? - Acho que é amor. Oh, ceús! Santa pieguice, Batman! Amor? Esta lengalenga de novo? Sério, só mesmo amando um amigo para permitir que ele se jogue no seu sofá e chore todas as dores dele sem que você se incomode nem um pingo com isso...Só mesmo amando para você confiar a ele seu próprio inferno. E para não invejarem as vitórias um do outro. Por amor, você empresta suas coisas, dá o seu tempo, é honesto nas suas respostas, cuida para não ofender, abraça causas que não são suas, entra numas roubadas, compreende alguns sumiços, só que liga quando o sumiço é exagerado. Tudo isso é amizade com trato. Se amigos assim entraram na sua vida, não deixe que sumam. Porém, a maioria das pessoas não só deixa como contribuí para que os amigos evaporem. Ignora os mecanismos de manutenção. Acha que amizade é algo que vem pronto e que é da sua natureza ser constante, sem precisar que a gente dê uma mãozinha. E aí, um dia abrimos a mãozinha e não conseguimos contar nos dedos nem dois amigos de verdade. E ainda argumentamos que a solidão é um sintoma destes dias de hoje, tão emergenciais, tão individualistas, nada disso. A solidão é apenas um sintoma do nosso descaso.

Receita para lavar roupa suja

(Viviane Mosé)

Mergulhar a palavra suja em água sanitária depois de dois dias de molho, quarar ao sol do meio dia.

Algumas palavras quando alvejadas ao sol adquirem consistência de certeza.

Por exemplo a palavra vida.

Existem outras, e a palavra amor é uma delas, que são muito encardidas pelo uso, o que recomenda aguar e bater insistentemente na pedra, depois enxaguar em água corrente.

São poucas as que resistem a esses cuidados, mas existem aquelas.

Dizem que limão e sal tiram sujeira difícil, mas nada.

Toda tentativa de lavar piedade foi sempre em vão.

Agora nunca vi palavra tão suja como perda.

Perda e morte na medida que são alvejadas soltam um líquido corrosivo, que atende pelo nome de argura, que é capaz de esvaziar o vigor da língua.

O aconselhado nesse caso é mantê-la sempre de molho em um amaciante de boa qualidade.

Agora, se o que você quer é somente aliviar as palavras do uso diário, pode usar simplesmente sabão em pó e máquina de lavar.

O perigo neste caso é misturar palavras que mancham no contato umas com as outras.

Culpa, por exemplo, a culpa mancha tudo que encontra e deve ser sempre alvejada sozinha.

Outra mistura pouco aconselhada é amizade e desejo, já que desejo, sendo uma palavra intensa, quase agressiva, pode, o que não é inevitável, esgarçar a força delicada da palavra amizade.

Já a palavra força cai bem em qualquer mistura.

Outro cuidado importante é não lavar demais as palavras sob o risco de perderem o sentido.

A sujeirinha cotidiana quando não é excessiva, produz uma oleosidade que dá vigor aos sons.

Muito importante na arte de lavar palavras é saber reconhecer uma palavra limpa.

Conviva com a palavra durante alguns dias.

Deixe que se misture em seus gestos, que passeie pela expressão dos seus sentidos.

À noite, permita que se deite, não a seu lado mas sobre seu corpo.

Enquanto você dorme, a palavra, plantada em sua carne, prolifera em toda sua possibilidade.

Se puder suportar essa convivência até não mais perceber a presença dela, então você tem uma palavra limpa.

Uma palavra limpa é uma palavra possível.