Em entrevista leitores, Marisa Monte diz que pode não mais lançar discos
William Helal Filho
RIO - Marisa Monte criticou a lei da meia-entrada; disse que a indústria das celebridades é alimentada pelo tédio das pessoas; afirmou que, atualmente, o valor real do CD não passa de R$ 1 e revelou que pode não lançar mais discos. A cultuada cantora carioca falou tudo isso — e bem mais — numa entrevista ao conselho jovem da Megazine (ah, Marisa também contou que adora lutas de sumô).
O encontro rolou na casa no Humaitá onde fica o escritório de Leonardo Netto, empresário da cantora. Os membros do conselho ficaram impressionados com a espontaneidade de Marisa, que começou o papo perguntando sobre cada um deles e, depois da entrevista, continuou jogando conversa fora.
A artista de 20 anos de carreira chega aos 40 de idade no sábado, quando faz o segundo de quatro shows no Vivo Rio (ingressos inteiros de R$ 60 a R$ 150). As apresentações fazem parte da turnê “Universo particular”, centrada nos discos “Infinito particular” e “Universo ao meu redor”, lançados ano passado.
— É engraçado saber que marmanjos de 30 anos me ouvem desde crianças — disse Marisa.
ARTHUR OTTONI: Você acabou de fazer uma turnê fora do país. Nos shows, o público é brasileiro ou gringo?
MARISA MONTE: Em Seul, na Coréia do Sul, só moram 130 brasileiros. Lá, eu fiz um show lotado só com a população local. Foi legal porque sou novidade para eles. E isso é raro para mim, já que aqui todo mundo conhece alguma coisa do meu trabalho. Em Sydney, a colônia brasileira é enorme. Fiz dois shows lotados e a maioria era de brasileiros.
FILIPE ELOY: Você teve tempo de fazer turismo?
MARISA: Não tive muitos dias livres. Mas deu para ir à final de um campeonato de sumô, em Tóquio. Eu já tinha visto lutas na TV. Adoro sumô. Conseguimos ingressos para a banda toda. Era na última fileira, lá em cima, mas foi ótimo.
ALINE MATOS: Você vê muita gente jovem nos seus shows?
MARISA: Tem muitos. E hoje tem marmanjo de 30 anos dizendo que me ouve desde criança (risos). No começo, eu pensava “como assim?”. Mas é porque comecei muito nova. Tenho 20 anos de carreira. Sou uma jovem veterana.
MARIANA FARIA:Tem alguém novo na música que você gosta de ouvir?
MARISA: Gosto da Céu. E de outra paulista, a Bluebell.
LEONARDO JUSTI: Li uma entrevista em que você diz que a fama é algo grave. Como você acha que os artistas lidam com a fama no Brasil?
MARISA: Ser famoso é algo que interfere muito na vida de alguém. Ninguém é famoso impunemente. Não pode ser leviano. Não gostaria de ser famosa só por ser famosa. Isso sempre foi conseqüência do meu trabalho na música.
LEONARDO: Você não gosta de se expor muito...Você critica o culto às celebridades?
MARISA: O tédio é o problema do mundo. Cada um deveria buscar alternativas. Vai ler um livro, passear, encontrar um amigo. Essa imprensa (das celebridades) é comercial, não informa nada. Não tem nada legal acontecendo com aquela pessoa. Não quero saber do castelo que ela visitou. Não vai fazer diferença. Algumas pessoas servem a esse produto. Eu sirvo à música. Minha deusa é outra.
MARIANA: E política? Você se decepcionou com o Lula?
MARISA: Nunca tive muita expectativa. Sou de uma geração calejada com a classe política. Nasci na ditadura, vivi a abertura, o Collor... Quando era pequena, não existia nem associação de moradores e estudantes. O Lula é uma evolução, pelo histórico dele. Mas é difícil. Ele não tem maioria no Congresso e precisa lidar com várias forças. Sozinho, não vai fazer nada. Depende de um Congresso com vários mensaleiros e outros que a gente diz “meu Deus...”. Talvez seja mais fácil ser oposição. Talvez seja mais fácil falar.
LEONARDO: Sobre a indústria fonográfica, você acha que o disco perdeu o valor?
MARISA: O disco não vale mais o que a loja cobra. Porque qualquer um pode copiar um CD. Isso fez o CD perder o valor. Hoje, o CD vale muito menos. Na verdade, ele vale R$ 1, que é o preço do CD virgem. É o que custa para todo mundo. Adoraria que custasse R$ 5 (na loja). Mas mesmo assim ficaria caro.
FILIPE: E o que você acha do download de música?
MARISA: Para quem gosta de música, é maravilhoso. Quando eu tinha 15 anos, era muito difícil achar coisas diferentes. Hoje, num clique, vem a obra de um artista que você adora. É positivo porque dá acesso à música. Talvez isso tudo gere conseqüências. Mas é irreversível, incontrolável. Você não vai perguntar se uma pessoa quer pagar por algo que ela tem de graça. Essa campanha não existe. Mas outros caminhos vão aparecer. Vamos nos adaptar.
FILIPE: Qual o lado ruim?
MARISA: Eu me preocupo com o cara que vive de direito autoral. Porque eu faço show, então tem recursos vindo de outras frentes. Mas e quem é só autor? Acabou a possibilidade disso ser profissão. Ele vai ter que fazer música só por lazer. Isso é injusto.
FILIPE: E a pirataria?
MARISA: Por um lado, legal saber que todo mundo pode comprar CD. Mas tem organizações criminosas por trás. O dinheiro desse mercado pode estar financiando tráfico de drogas ou armas. É chato pensar que meu trabalho pode estar servindo a isso. É uma indústria organizada, que lança discos que não existem no mercado legal. Eu vejo por aí, gente comprando disco na rua. Eu pergunto “e aí, quanto tá?”. Ouço coisas do tipo “adoro o disco ‘As quatro vozes’, com você, Adriana Calcanhotto, Cássia Eller....”. Mas eu não tenho esse CD (risos).
MARIANA: O que achou da história da biografia não-autorizada do Roberto Carlos, que proibiu a venda do livro?
MARISA: Eu li o livro. Tem diálogos que o autor (Paulo César de Araújo) criou. Tem muito de ficção. Imagino que seja incômodo (para Roberto Carlos), sim. Eu não gostaria, mas talvez não fizesse alarde. Daria uma de rainha da Inglaterra. Se o Roberto não tivesse falado muito, não teria gerado tanta atenção. O livro é carinhoso com ele. Mas eu não tenho que achar nada.
YURI VIEIRA: Você concorda com a lei da meia-entrada?
MARISA: Público e artista perdem com isso, porque o preço do ingresso inteiro fica ridículo. No Rio, uma casa pode ficar lotada só com pessoas pagando meia, então o preço da inteira tem que ficar num valor mínimo para não ter prejuízo. É legal dar subsídio para estudante, mas acho questionável se o produtor cultural é quem tem que arcar com isso. Devia ter um tipo de limite, uma reserva de lugares para estudantes. Mas não tudo.
FILIPE: E o futuro? Quais são seus planos?
MARISA: Não tenho planos (risos). Tem muita coisa pela frente. Além dos shows, estamos finalizando um DVD. Depois, não sei. Talvez nem faça mais disco. Talvez lance só uma música por mês. Vou fazer algo quando quiser fazer algo. Vou experimentar.
FILIPE: Disco não dá mais dinheiro para o artista?
MARISA: Ganhar dinheiro não é minha motivação principal. É bem-vindo, mas, se tiver que fazer show sem ganhar, vou fazer. Disco nunca deu muito dinheiro. Você vendia cem mil discos e ganhava o dinheiro de um show.
William Helal Filho
RIO - Marisa Monte criticou a lei da meia-entrada; disse que a indústria das celebridades é alimentada pelo tédio das pessoas; afirmou que, atualmente, o valor real do CD não passa de R$ 1 e revelou que pode não lançar mais discos. A cultuada cantora carioca falou tudo isso — e bem mais — numa entrevista ao conselho jovem da Megazine (ah, Marisa também contou que adora lutas de sumô).
O encontro rolou na casa no Humaitá onde fica o escritório de Leonardo Netto, empresário da cantora. Os membros do conselho ficaram impressionados com a espontaneidade de Marisa, que começou o papo perguntando sobre cada um deles e, depois da entrevista, continuou jogando conversa fora.
A artista de 20 anos de carreira chega aos 40 de idade no sábado, quando faz o segundo de quatro shows no Vivo Rio (ingressos inteiros de R$ 60 a R$ 150). As apresentações fazem parte da turnê “Universo particular”, centrada nos discos “Infinito particular” e “Universo ao meu redor”, lançados ano passado.
— É engraçado saber que marmanjos de 30 anos me ouvem desde crianças — disse Marisa.
ARTHUR OTTONI: Você acabou de fazer uma turnê fora do país. Nos shows, o público é brasileiro ou gringo?
MARISA MONTE: Em Seul, na Coréia do Sul, só moram 130 brasileiros. Lá, eu fiz um show lotado só com a população local. Foi legal porque sou novidade para eles. E isso é raro para mim, já que aqui todo mundo conhece alguma coisa do meu trabalho. Em Sydney, a colônia brasileira é enorme. Fiz dois shows lotados e a maioria era de brasileiros.
FILIPE ELOY: Você teve tempo de fazer turismo?
MARISA: Não tive muitos dias livres. Mas deu para ir à final de um campeonato de sumô, em Tóquio. Eu já tinha visto lutas na TV. Adoro sumô. Conseguimos ingressos para a banda toda. Era na última fileira, lá em cima, mas foi ótimo.
ALINE MATOS: Você vê muita gente jovem nos seus shows?
MARISA: Tem muitos. E hoje tem marmanjo de 30 anos dizendo que me ouve desde criança (risos). No começo, eu pensava “como assim?”. Mas é porque comecei muito nova. Tenho 20 anos de carreira. Sou uma jovem veterana.
MARIANA FARIA:Tem alguém novo na música que você gosta de ouvir?
MARISA: Gosto da Céu. E de outra paulista, a Bluebell.
LEONARDO JUSTI: Li uma entrevista em que você diz que a fama é algo grave. Como você acha que os artistas lidam com a fama no Brasil?
MARISA: Ser famoso é algo que interfere muito na vida de alguém. Ninguém é famoso impunemente. Não pode ser leviano. Não gostaria de ser famosa só por ser famosa. Isso sempre foi conseqüência do meu trabalho na música.
LEONARDO: Você não gosta de se expor muito...Você critica o culto às celebridades?
MARISA: O tédio é o problema do mundo. Cada um deveria buscar alternativas. Vai ler um livro, passear, encontrar um amigo. Essa imprensa (das celebridades) é comercial, não informa nada. Não tem nada legal acontecendo com aquela pessoa. Não quero saber do castelo que ela visitou. Não vai fazer diferença. Algumas pessoas servem a esse produto. Eu sirvo à música. Minha deusa é outra.
MARIANA: E política? Você se decepcionou com o Lula?
MARISA: Nunca tive muita expectativa. Sou de uma geração calejada com a classe política. Nasci na ditadura, vivi a abertura, o Collor... Quando era pequena, não existia nem associação de moradores e estudantes. O Lula é uma evolução, pelo histórico dele. Mas é difícil. Ele não tem maioria no Congresso e precisa lidar com várias forças. Sozinho, não vai fazer nada. Depende de um Congresso com vários mensaleiros e outros que a gente diz “meu Deus...”. Talvez seja mais fácil ser oposição. Talvez seja mais fácil falar.
LEONARDO: Sobre a indústria fonográfica, você acha que o disco perdeu o valor?
MARISA: O disco não vale mais o que a loja cobra. Porque qualquer um pode copiar um CD. Isso fez o CD perder o valor. Hoje, o CD vale muito menos. Na verdade, ele vale R$ 1, que é o preço do CD virgem. É o que custa para todo mundo. Adoraria que custasse R$ 5 (na loja). Mas mesmo assim ficaria caro.
FILIPE: E o que você acha do download de música?
MARISA: Para quem gosta de música, é maravilhoso. Quando eu tinha 15 anos, era muito difícil achar coisas diferentes. Hoje, num clique, vem a obra de um artista que você adora. É positivo porque dá acesso à música. Talvez isso tudo gere conseqüências. Mas é irreversível, incontrolável. Você não vai perguntar se uma pessoa quer pagar por algo que ela tem de graça. Essa campanha não existe. Mas outros caminhos vão aparecer. Vamos nos adaptar.
FILIPE: Qual o lado ruim?
MARISA: Eu me preocupo com o cara que vive de direito autoral. Porque eu faço show, então tem recursos vindo de outras frentes. Mas e quem é só autor? Acabou a possibilidade disso ser profissão. Ele vai ter que fazer música só por lazer. Isso é injusto.
FILIPE: E a pirataria?
MARISA: Por um lado, legal saber que todo mundo pode comprar CD. Mas tem organizações criminosas por trás. O dinheiro desse mercado pode estar financiando tráfico de drogas ou armas. É chato pensar que meu trabalho pode estar servindo a isso. É uma indústria organizada, que lança discos que não existem no mercado legal. Eu vejo por aí, gente comprando disco na rua. Eu pergunto “e aí, quanto tá?”. Ouço coisas do tipo “adoro o disco ‘As quatro vozes’, com você, Adriana Calcanhotto, Cássia Eller....”. Mas eu não tenho esse CD (risos).
MARIANA: O que achou da história da biografia não-autorizada do Roberto Carlos, que proibiu a venda do livro?
MARISA: Eu li o livro. Tem diálogos que o autor (Paulo César de Araújo) criou. Tem muito de ficção. Imagino que seja incômodo (para Roberto Carlos), sim. Eu não gostaria, mas talvez não fizesse alarde. Daria uma de rainha da Inglaterra. Se o Roberto não tivesse falado muito, não teria gerado tanta atenção. O livro é carinhoso com ele. Mas eu não tenho que achar nada.
YURI VIEIRA: Você concorda com a lei da meia-entrada?
MARISA: Público e artista perdem com isso, porque o preço do ingresso inteiro fica ridículo. No Rio, uma casa pode ficar lotada só com pessoas pagando meia, então o preço da inteira tem que ficar num valor mínimo para não ter prejuízo. É legal dar subsídio para estudante, mas acho questionável se o produtor cultural é quem tem que arcar com isso. Devia ter um tipo de limite, uma reserva de lugares para estudantes. Mas não tudo.
FILIPE: E o futuro? Quais são seus planos?
MARISA: Não tenho planos (risos). Tem muita coisa pela frente. Além dos shows, estamos finalizando um DVD. Depois, não sei. Talvez nem faça mais disco. Talvez lance só uma música por mês. Vou fazer algo quando quiser fazer algo. Vou experimentar.
FILIPE: Disco não dá mais dinheiro para o artista?
MARISA: Ganhar dinheiro não é minha motivação principal. É bem-vindo, mas, se tiver que fazer show sem ganhar, vou fazer. Disco nunca deu muito dinheiro. Você vendia cem mil discos e ganhava o dinheiro de um show.