19 setembro, 2009

Maria Bethânia - Purificar o Subaé / Miséria



Purificar o Subaé!

Depois do episódio do mercúrio, quero lhes relatar o caso da contaminação do rio Subaé, que nasce em Feira de Santana e corta o centro urbano de Santo Amaro da Purificação, terra de Dona Cano e dos Veloso, por chumbo, zinco e cádmio, três metais pesados extremamente perigosos para o ser humano se ingeridos em concentrações acima do tolerado. O chumbo causa o saturnismo, doença ambiental que se conhece desde os primórdios da Idade Antiga. E o cádmio causa a moléstia que ficou conhecida como Doença de Itai-Itai, surgida no Japão industrializado pós II Guerra Mundial. Ela causa dores lancinantes e a fratura dos ossos do corpo por uma simples pressão com as mãos. Os ossos, em suma, viram farófia.A poluição do rio Subaé - e, consequentemente, da Baía de Todos os Santos, onde o curso d´água desemboca - foi causada pelo despejo dos esgotos industriais da usina de chumbo chamada Cobrac, hoje desativada, que processava o minério retirado de uma mina que existiu no município de Boquira, terra do falecido jornalista Francisco Alexandria. Estima-se que a usina tenha despejado no rio e na baía algo em torno de 400 toneladas de minério.O interessante é que ambas - a mina e a usina - pertenceram ao Barão de Rotchild. da nobre família francesa Rotchild. Ou seja, o Primeiro Mundo poluiu o Terceiro Mundo e ficou por isso mesmo."Purificar o Subaé, mandar os malditos embora. Dona da água doce quem é...". Os versos e a canção de Caetano Veloso surgiram como um protesto musical do genial baiano logo após a denúncia da imprensa sobre a perigosa poluição. Se o trabalho do jornalismo não encorajou o Governo da Bahia e/ a Prefeitura de Santo Amaro da Purificação a exigir indenização nos foros internacionais à Família Rotchild, pelo menos insuflou a criatividade e a sensibilidade do poeta. Mas ainda é tempo dos organismos oficiais agirem em defesa da população de Santo Amaro, dos operários envenenados e dos moradores contaminados pela ganância francesa.Um aspecto interessante foi o acaso da descoberta da gravidade da poluição do Subaé, embora fosse público e notório que os restos da limalha de chumbo e ferro processado pela usina tenha sido usado para aterrar e asfaltar ruas em Santo Amaro. E que a população, sobretudo as crianças, inalava a poeira da limalha quando o vento soprava ou algum veículo passava pela rua urbanizada como aterro poluidor.Foi quando um pesquisador da Faculdade de Química da UFBA, de nome Oscar Nogueira, foi testar o uso de um instrumento chamado Espectrofotômetro de Absorção Atômica. Ele precisava de água de onde se suspeitasse houvesse presença de chumbo em suspensão. Ele usou a água do Subaé. E coletou, como termo de referência ou comparação, água do mar de Guaimbim, em Valença, na época totalmente despoluída.Quando ele colocava o água do Subaé no aparelho e media a concentração de chumbo, o medidor do Espectrofotômetro dava um verdadeiro pico. Ele ficou intrigado e foi consultar a biografia química. O conhecimento acumulado a nível internacional indicou que, em casos como aquele, não havia presença de chumbo mas, sim, de cádmio, um metal pesado extremamente perigoso para o ser humano.Oscar Nogueira pediu ajuda à professora Tânia Tavares, orientadora de pesquisa, que mobilizou também o Mestrado de Medicina Comunitária da UFBA para estudar o caso, que envolvia pessoas que viviam nas margens do rio. Entre os pesquisadores estava o médico Fernando Carvalho. Eles têm tudo sobre esse caso. A primeira conseqüência do escândalo foi o fechamento da Cobrac, determinada pelo Governo do Estado, que pode agora se mobilizar para exigir indenização dos franceses da Família Rotchild. Além da poluição de Santo Amaro e da Baía de Todos os Santos, eles transformaram Boquira numa terra de crateras pior que a Lua. É um caso jurídico de Direito Internacional e de muita coragem cívica.
Antonio Jorge Moura é jornalista